Creche para patrões
Começou a ser construída em Braga uma creche «inovadora»: aberta 24 horas, 7 dias por semana, sem férias. Terá 85 bebés dos 0 aos 3 anos, resulta de uma parceria entre uma IPSS, a Câmara, a Comissão de Trabalhadores do Hospital e as administrações do Hospital e da Universidade, com financiamento do PRR e abertura prevista para Setembro de 2024.
A «inovação» não é total. A portaria que o Governo publicou em Julho, com o alegado objectivo de alargar o número de vagas em creche – pondo mais dois bebés em cada sala, com o mesmo número de profissionais e a utilização de contentores – já prevê que as creches funcionem em horário nocturno.
Quase metade dos trabalhadores em Portugal trabalha por turnos, à noite, ao fim de semana, ou em horários que combinam todos estes. Muitos têm filhos pequenos. Ser mãe ou pai quando se trabalha com horários deste tipo é um quebra cabeças, fonte de angústia permanente. Não admira que alguns olhem com simpatia para uma creche deste tipo.
Mas há perguntas que têm de ser feitas, para lá de desenrascar o imediato ou ver oportunidades de negócio. Uma creche nocturna é boa para as crianças? É saudável e dá segurança mudar as rotinas de dormir consoante a rotação dos horários dos pais? Se os bebés dormem na creche enquanto os pais trabalham, onde ficam nas horas em que os pais descansam depois de sair do trabalho? Noutra creche? Quantas horas? Ou não é suposto os pais dormirem? Quando fizerem 3 anos e já não puderem frequentar esta creche, dormem onde? Num pré-escolar nocturno? Numa EB 1,2,3 por turnos? Qual é a idade aceitável para deixar crianças sozinhas em casa durante a noite enquanto se trabalha? E os filhos dos trabalhadores das creches nocturnas, vão para o trabalho dos pais, ou para outra creche nocturna?
Podíamos continuar este exercício, porque desregular os horários de trabalho é uma bola de neve. Podem chamar «inovação» a pôr crianças a viver ao ritmo dos horários dos pais. Mas não é. Inovador é combater os horários selvagens, reduzir o horário de trabalho, respeitar os direitos de maternidade e paternidade. Ter creches para crianças e não para patrões.
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