segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

OPINIÃO: sobre o fim dos exames do 4º. ano

Os exames são parte do processo
de segregação social


A Assembleia da República com os votos do PCP, PS, BE e Verdes acabou com os exames no 4.º ano de escolaridade no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Estes exames, decididos em 2012 pelo governo PSD/CDS, foram desde cedo contestados pelos professores, pelas escolas e pelas famílias.
O pensamento pedagógico progressista sempre a atribuiu à realização de exames no ensino básico uma função selectiva. Ora, essa selectividade, sobretudo quando introduzida precocemente, ignora a realidade social, cultural e geográfica do País. A opção pela selectividade na avaliação escolar é a aposta na manutenção nas desigualdades sociais, culturais e económicas. É uma opção de classe.
Os exames nacionais ignoram as diferentes realidades concretas de cada escola. Esquecem [ou fazem por esquecer] que nas escolas portuguesas estudam crianças e jovens oriundos de famílias onde se passa fome, sem uma habitação digna, sem acesso a meios de informação e conhecimento e com níveis de escolarização muito baixos. A realização de exames corta com a opção por uma escola inclusiva.
Mas para a direita o que é importante fazer é a triagem social a partir do percurso escolar das crianças e jovens portugueses.
A escola e o sistema educativo que a Constituição da República e a Lei de Bases do Sistema Educativo configuram não permitem que uma criança ou um jovem de uma periferia social, com um ou ambos os pais desempregados, sem dinheiro para comprar atempadamente os manuais escolares, que estuda numa escola com professores contratados em permanente instabilidade, sem acesso às tecnologias da informação e comunicação, sem aquecimento, com parcos materiais pedagógicos, seja submetido exacta e precisamente às mesmas perguntas, para responder em condições de tempo e sob iguais critérios de avaliação, que outro de uma escola que dispõe de todos os meios, materiais e humanos, integrado numa família, com níveis de escolaridade elevada e com meios e posses económicas que lhe permitem até dispor de apoio pedagógico privado.
Segregação social
Quando decidiu introduzir exames a cada passo no percurso escolar das crianças e jovens, o governo PSD/CDS apostou, de facto, num projeto de segregação social que foi a base do sistema educativo no regime fascista. Esta opção está bem patente noutras opções que Passos, Portas e Nuno Crato tomaram. Entre elas avulta a escola ou ensino dual – percursos escolares voltados para o conhecimento, para os jovens destinados, pela sua origem social, a «ir mais longe» na sua formação e um conjunto de outros percursos desvalorizados [batizados de vocacionais, profissionais e outras expressões «simpáticas» destinadas a recolher apoio social] que têm com destinatários os filhos dos trabalhadores que irão continuar assegurar a mão-de-obra barata e dócil.
Mas a oposição aos exames tem sido também fortemente criticada a partir de outros pontos de vista. No dia seguinte à decisão da AR, uma dirigente do movimento associativo dos pais citada na comunicação social dizia: «sempre considerámos que não existem razões para existirem este tipo e exames. Mais vale que o tempo nas aulas seja aproveitado para avançar no programa e aprofundar e consolidar conhecimentos. E os professores lá estarão para avaliar se o aluno tem ou não condições para transitar.»
Importa finalmente dizer que os exames são a seiva de que se alimenta a publicação dos rankings essa catalogação de escolas que compara o que honestamente não é possível comparar. Bastaria um mínimo de honestidade intelectual para impedir que se comparem os resultados escolares dos alunos de uma escola de uma zona rural do interior do País com outra localizada num centro urbano ou com um colégio privado onde os alunos são escolhidos e no qual as crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem ou necessidades educativas especiais não têm lugar.
 
Francisco Almeida

OPINIÃO: sobre o processo BANIF

AGORA O BANIF    
 
Escondida durante largos meses, a situação no BANIF foi deliberadamente ocultada por parte do governo PSD/CDS, com objectivos que são inseparáveis da mistificação e falsificação da realidade (lembram-se da «saída limpa»?) que foram promovendo até serem justamente corridos do governo. Apesar de todo o conhecimento que tinham sobre a realidade deste banco, ou não tivessem lá injectado mais de 700 milhões de euros de recursos públicos para a chamada recapitalização, nada fizeram para impedir que o País fosse agora confrontado com mais um escândalo, em si mesmo resultado da natureza especulativa a que conduz a gestão privada da banca.
No desfecho de cada um destes processos vivenciados pelo povo português nos últimos anos com as situações do BPP, BPN, BES e agora o BANIF, sobra sempre uma certeza: é sobre as costas do povo português que recaem as consequências. E fica sempre uma dúvida: para onde foi, seja sob a forma de dividendos seja pelos múltiplos alçapões que hoje existem no sistema financeiro, o dinheiro?
É certo e sabido que cada processo destes é sempre apresentado como um caso isolado, como uma falha na supervisão, como gestão danosa, como algo que não se voltará a repetir. As soluções aplicadas no quadro da política de direita, variando nos instrumentos e argumentos utilizados, não fogem à mesma matriz: socializam-se os prejuízos e concentra-se ainda mais a actividade bancária nas mãos dos monopólios, em nome da «estabilidade» do sistema financeiro. Pelo que, como já se escreveu e disse outras vezes, sem alterações de fundo, sem a recuperação do controlo público da banca por parte do Estado português, sem a recuperação, em última análise, dos instrumentos de gestão soberana, seja do crédito, seja da moeda, a questão estará sempre em saber quando e onde é que irá rebentar o próximo escândalo.
É por isso que, independentemente da solução que o actual governo PS propôs, que impõe que sejam canalizados mais de 2 mil milhões de euros de recursos públicos para tapar este buraco, sem que seja assegurado o controlo público da parte rentável do BANIF (que será entregue ao Santander/Totta), a questão de fundo persiste: sem ruptura com a política de direita, não há, nem pode haver futuro.       
Vasco Cardoso


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

sábado, 19 de dezembro de 2015

OPINIÃO. (A propósito do ranking das escolas)

O Zé e o Afonso Nuno
Talvez a televisão portuguesa não tenha dado ao chamado «ranking das escolas», este ano, o mesmo grande destaque que lhe deu em anos anteriores. É certo, porém, que o noticiou com algum vagar e que até identificou «a melhor escola», uma instituição privada situada no Norte, e «a pior», uma escola pública de outra zona do País, assim confirmando que o Estado não tem vocação para ensinar meninos e que, em contrapartida, a iniciativa privada mantém o seu já muito divulgado talento para essa função social, como aliás para todas as outras desde que rentáveis.
Não consta que algum organismo federador do ensino privado tenha remunerado a notícia como facto publicitário, mas é claro que essa dimensão existiu inevitavelmente: não é facilmente imaginável que a generalidade dos pais portugueses não ambicione para os seus filhos os professores mais eficazes e uma probabilidade maior de futuro ingresso no ensino superior. Assim, não será absurdo admitir que, em face do «ranking», muitos cidadãos reflictam em quanto é adequado que o Estado sustente com subsídios o tão competente ensino privado e que decida abundantes cortes na despesa directa ou indirecta com a escola pública, essa incapaz. Sobre alguns espíritos mais minuciosos até poderá agir um outro factor ainda que meramente complementar: grande parte dos colégios privados nasceu sob a invocação de uma espécie de santo protector que figura na sua designação, ao passo que no nome das escolas públicas só está o nome de escritores ou equiparáveis, gente provavelmente agnóstica ou pior que isso. E não está comprovado que os céus se mantenham indiferentes a esse factor e se abstenham de apoiar quem esse apoio mereça.
Sempre
De entre a generalidade dos telespectadores que assistiram à divulgação do «ranking das escolas» permita-se que sejam destacados dois deles, ambos com a mesma idade de doze anos, mais mês menos mês: o Afonso Nuno e o Zé. Um deles gostou muito de saber que o seu colégio se classificou entre os «top ten» do «ranking», o outro sentiu-se um poucochinho humilhado porque a sua escola figurava lá para o fim da extensa lista. Porém, não se esgotam aqui as diferenças entre os dois rapazes. O Afonso Nuno reside numa bonita vivenda situada na periferia da cidade, o pai leva-o para o colégio no carro em que depois seguirá para a empresa de que é gestor; o Zé mora num T2 da periferia onde partilha o quarto com um irmão e vai para a escola em transportes públicos difíceis e fatigantes. No quarto do Afonso Nuno há uma secretária só para ele, computador e muitos livros que para si foram cuidadosamente escolhidos pela mãe, médica numa clínica privada; em casa do Zé há poucos livros e quanto a letra imprensa apenas jornais desportivos e números antigos de revistas «femininas» que a mãe traz das casas onde presta serviços domésticos.
Quando o Zé sente dificuldades com a aprendizagem na escola, é a mãe que tenta dar-lhe algum apoio: o pai, operário da construção civil, não tem sabedorias que lhe permitam essa ajuda; a senhora doutora ou o senhor engenheiro sempre encontram tempo e sabenças para acompanharem o estudo do Afonso Nuno. Aliás, eles prevêem claramente que o seu filho integrará, um dia, a «élite» que mandará no País a partir de São Bento ou, mais discreta e eficazmente de um gabinete empresarial; quanto aos pais do Zé, tudo quanto desejam é que os seus filhos consigam empregar-se mal acabem a escolaridade obrigatória e nunca, mas nunca, tenham de vê-los emigrar. É claro que o Zé não tem nítida consciência de tudo isto, mas apercebe-se talvez de que a escola pública que frequenta condiz bem com o resto da sua vida. Por isso não gostou de saber a sua escola na zona final do «ranking». Quanto ao Afonso Nuno, achou muito bem, até natural, que o seu colégio estivesse no topo da classificação. Acha mesmo que ele próprio, mais a sua família, mais os seus companheiros de colégio, sempre estarão no topo de tudo porque é natural que seja assim. Sempre.
 
(Correia da Fonseca)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

sábado, 5 de dezembro de 2015

Sobre o Mapa Judiciário, a propósito de uma Petição do Médio Tejo



Mapa judiciário
Mais difícil o acesso à Justiça

O PCP defende que o denominado mapa judiciário incrementado pelo governo anterior colocou problemas na acessibilidade dos cidadãos aos tribunais, defendendo por isso que esta matéria deve ser revisitada e alterar o que houver a alterar «num futuro próximo».
As consequências dessa alteração legislativa no acesso das populações à Justiça – o direito à Justiça – estiveram em debate no plenário, na semana transacta, suscitadas por uma petição onde se solicitava a «não desqualificação/extinção dos tribunais do Médio Tejo».
Consequências que o deputado comunista António Filipe qualificou de «negativas», considerando mesmo que em muitos casos foram «desastrosas» para o conjunto da população, particularmente para a que vive nas regiões do interior.
O caso da população do Médio Tejo é de resto um exemplo muito significativo disso mesmo, fruto do encerramento dos tribunais de Relação de Ferreira do Zêzere, da passagem do Tribunal de Alcanena a «secção de proximidade», da perda de valências judiciárias, designadamente em matéria de Família e Menores, bem como de Trabalho (existentes, designadamente, na Comarca de Abrantes e que foram centralizadas noutros tribunais, de valências judiciais, nas capitais de distrito, no caso Santarém).
Reafirmada no debate por António Filipe foi a posição assumida pela sua bancada na legislatura anterior (e materializada então em iniciativas legislativas), segundo a qual as anteriores comarcas judiciais deveriam manter no mínimo um tribunal de competência genérica em matéria cível e criminal, o que não acontece com este mapa judiciário.
O deputado do PCP não deixou de notar, ainda, que a dita «especialização» propalada pelo governo anterior ocorreu também por via da concentração, observando que essa concentração de valências nos tribunais coloca as populações, sobretudo do interior, mais vulneráveis, com menos acesso à Justiça.
«Não bastava já a falta de apoio judiciário às populações com menores recursos económicos; agora também o problema geográfico, o problema da acessibilidade se coloca aos tribunais com graves prejuízos para a população», lamentou António Filipe.
E comentando a afirmação do deputado do PSD Duarte Marque, que referira ter o FMI classificado esta dita reforma como a «reforma do século em matéria judiciária», António Filipe não deixou de admitir, com ironia, que, em termos temporais, até talvez haja na afirmação uma ponta de verdade. É que terá sido, sim, «o maior retrocesso judicial do século».
(in Avante)