quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

OPINIÃO: sobre o fim dos exames do 4º. ano

Os exames são parte do processo
de segregação social


A Assembleia da República com os votos do PCP, PS, BE e Verdes acabou com os exames no 4.º ano de escolaridade no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Estes exames, decididos em 2012 pelo governo PSD/CDS, foram desde cedo contestados pelos professores, pelas escolas e pelas famílias.
O pensamento pedagógico progressista sempre a atribuiu à realização de exames no ensino básico uma função selectiva. Ora, essa selectividade, sobretudo quando introduzida precocemente, ignora a realidade social, cultural e geográfica do País. A opção pela selectividade na avaliação escolar é a aposta na manutenção nas desigualdades sociais, culturais e económicas. É uma opção de classe.
Os exames nacionais ignoram as diferentes realidades concretas de cada escola. Esquecem [ou fazem por esquecer] que nas escolas portuguesas estudam crianças e jovens oriundos de famílias onde se passa fome, sem uma habitação digna, sem acesso a meios de informação e conhecimento e com níveis de escolarização muito baixos. A realização de exames corta com a opção por uma escola inclusiva.
Mas para a direita o que é importante fazer é a triagem social a partir do percurso escolar das crianças e jovens portugueses.
A escola e o sistema educativo que a Constituição da República e a Lei de Bases do Sistema Educativo configuram não permitem que uma criança ou um jovem de uma periferia social, com um ou ambos os pais desempregados, sem dinheiro para comprar atempadamente os manuais escolares, que estuda numa escola com professores contratados em permanente instabilidade, sem acesso às tecnologias da informação e comunicação, sem aquecimento, com parcos materiais pedagógicos, seja submetido exacta e precisamente às mesmas perguntas, para responder em condições de tempo e sob iguais critérios de avaliação, que outro de uma escola que dispõe de todos os meios, materiais e humanos, integrado numa família, com níveis de escolaridade elevada e com meios e posses económicas que lhe permitem até dispor de apoio pedagógico privado.
Segregação social
Quando decidiu introduzir exames a cada passo no percurso escolar das crianças e jovens, o governo PSD/CDS apostou, de facto, num projeto de segregação social que foi a base do sistema educativo no regime fascista. Esta opção está bem patente noutras opções que Passos, Portas e Nuno Crato tomaram. Entre elas avulta a escola ou ensino dual – percursos escolares voltados para o conhecimento, para os jovens destinados, pela sua origem social, a «ir mais longe» na sua formação e um conjunto de outros percursos desvalorizados [batizados de vocacionais, profissionais e outras expressões «simpáticas» destinadas a recolher apoio social] que têm com destinatários os filhos dos trabalhadores que irão continuar assegurar a mão-de-obra barata e dócil.
Mas a oposição aos exames tem sido também fortemente criticada a partir de outros pontos de vista. No dia seguinte à decisão da AR, uma dirigente do movimento associativo dos pais citada na comunicação social dizia: «sempre considerámos que não existem razões para existirem este tipo e exames. Mais vale que o tempo nas aulas seja aproveitado para avançar no programa e aprofundar e consolidar conhecimentos. E os professores lá estarão para avaliar se o aluno tem ou não condições para transitar.»
Importa finalmente dizer que os exames são a seiva de que se alimenta a publicação dos rankings essa catalogação de escolas que compara o que honestamente não é possível comparar. Bastaria um mínimo de honestidade intelectual para impedir que se comparem os resultados escolares dos alunos de uma escola de uma zona rural do interior do País com outra localizada num centro urbano ou com um colégio privado onde os alunos são escolhidos e no qual as crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem ou necessidades educativas especiais não têm lugar.
 
Francisco Almeida

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