sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Opinião: Breves notas a propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

 

Breves notas a propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

José Alberto Pitacas

É ne­ces­sário e pos­sível re­duzir a po­breza, com­ba­tendo o em­po­bre­ci­mento e as de­si­gual­dades

So­nhar não é apenas um acto po­lí­tico ne­ces­sário, mas uma forma de estar que faz parte da na­tu­reza hu­mana. Não há mu­dança sem sonho, como não há sonho sem es­pe­rança, nem es­pe­rança sem luta.

Em­bora acor­dado, tive um sonho, na pas­sagem de mais um dia 17 de Ou­tubro, Dia In­ter­na­ci­onal para a Er­ra­di­cação da Po­breza. So­nhei que a po­breza tinha sido pra­ti­ca­mente er­ra­di­cada em Por­tugal. So­nhei que o nú­mero de por­tu­gueses em risco de po­breza já não era 1,7 mi­lhões, como em 2021, mas um nú­mero muito in­fe­rior, que, apesar disso, ti­nham um ren­di­mento ade­quado para uma vida com dig­ni­dade.

So­nhei que eram muito poucas as fa­mí­lias com pri­vação ou di­fi­cul­dade de acesso a bens e ser­viços fun­da­men­tais, como a ha­bi­tação, a saúde, a edu­cação e a cul­tura, com uma taxa de risco de po­breza ou ex­clusão so­cial muito in­fe­rior aos 19,4% de 2022, que atingia dois mi­lhões de por­tu­gueses.

So­nhei que já não havia tra­ba­lha­dores em risco de po­breza (10,3% em 2021), porque o ren­di­mento mo­ne­tário lí­quido do seu agre­gado fa­mi­liar já era su­pe­rior ao li­miar de po­breza, com sa­lá­rios mais justos e menos pre­ca­ri­e­dade no em­prego.

So­nhei que tinha di­mi­nuído sig­ni­fi­ca­ti­va­mente a taxa de po­breza nas fa­mí­lias com cri­anças, so­bre­tudo nas fa­mí­lias mo­no­pa­ren­tais (28% em 2021) e nas fa­mí­lias nu­me­rosas (22,7% em 2021), porque, para além de mais em­prego e me­lhores sa­lá­rios e do au­mento e uni­ver­sa­li­zação do abono de fa­mília, havia um acesso a ser­viços e equi­pa­mentos de apoio à in­fância, no­me­a­da­mente uma rede pú­blica de cre­ches e de es­ta­be­le­ci­mentos pré-es­co­lares.

So­nhei que já eram muito poucos os de­sem­pre­gados em risco de po­breza (43,4% em 2021), porque havia me­lhores con­di­ções de acesso, atri­buição e mon­tante do sub­sídio de de­sem­prego.

So­nhei que era re­du­zido o nú­mero de idosos em risco de po­breza (17% em 2021, com maior in­ci­dência nas mu­lheres), porque as pen­sões e ou­tras pres­ta­ções do sis­tema con­tri­bu­tivo ti­nham au­men­tado para um valor com­pa­tível com as ne­ces­si­dades, a par de ou­tras pres­ta­ções so­ciais.

So­nhei, qual pe­sa­delo, que quem afirma que 40% dos por­tu­gueses são po­bres e vivem à custa do Es­tado, quer dis­torcer e vi­li­pen­diar o sis­tema pú­blico de Se­gu­rança So­cial mis­tu­rando as pen­sões de re­forma e ou­tras pres­ta­ções do sis­tema pre­vi­den­cial, subs­ti­tu­tivas de ren­di­mentos de tra­balho per­dido (con­tri­bu­tivo), com apoios so­ciais do sis­tema de pro­teção so­cial de ci­da­dania (fi­nan­ciado pelo Or­ça­mento de Es­tado).

So­nhei que as ações pon­tuais de emer­gência so­cial ou de as­sis­tência são im­por­tantes, mas apenas mi­tigam si­tu­a­ções de pri­vação que são, em grande parte, con­sequên­cias da po­breza, mas não con­duzem à sua er­ra­di­cação.

So­nhei que havia uma efe­tiva Es­tra­tégia Na­ci­onal de Com­bate à Po­breza com me­didas es­tru­tu­rais fo­cadas nas causas da po­breza e da ex­clusão so­cial, as­sentes numa justa re­par­tição pri­mária dos ren­di­mentos, com au­mento do peso dos ren­di­mentos do tra­balho (sa­lá­rios, pen­sões e ou­tras pres­ta­ções do sis­tema pre­vi­den­cial), o au­mento sig­ni­fi­ca­tivo das pres­ta­ções so­ciais, como o abono de fa­mília, o com­ple­mento para idosos e o ren­di­mento so­cial de in­serção.

So­nhei que havia um go­verno que tinha olhado para o com­bate à po­breza com a dig­ni­dade que me­rece e, por isso, tinha co­lo­cado a er­ra­di­cação da po­breza como um de­sígnio na­ci­onal, agindo através da ar­ti­cu­lação de di­versas po­lí­ticas pú­blicas, de forma in­te­grada e mul­ti­di­men­si­onal.

So­nhei que a po­breza não é uma fa­ta­li­dade e que é ne­ces­sário e pos­sível re­duzir for­te­mente a po­breza, com­ba­tendo o em­po­bre­ci­mento e as de­si­gual­dades so­ciais e me­lho­rando as con­di­ções de vida da po­pu­lação.

So­nhei que todos os por­tu­gueses ti­nham um ren­di­mento ade­quado, uma ha­bi­tação con­digna e acesso a ser­viços pú­blicos de qua­li­dade, fun­da­men­tais para uma vida justa e digna.

So­nhemos! O sonho é também acção.

Porque o sonho co­manda a vida, so­nhemos e, com de­ter­mi­nação e luta, trans­for­memos o sonho em vida.

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