sexta-feira, 2 de julho de 2010

(Mais uma opinião) - Desastre político na A-23

O folhetim das Scuts (auto-estradas sem custos para os utilizadores) continua a animar o debate político e os noticiários. Enquanto o “casal” Governo-PSD continua a entreter-nos com divergências semânticas sobre chips e isenções, temos do outro lado o levantamento de autarcas, empresários, comissões de utentes improvisadas e até deputados dos círculos respectivos a manifestarem-se contra. No extremo, insinuam-se apelos à revolta popular com recusa de pagamento das portagens no dia em que forem implementadas. Esse dia, que já esteve mais perto, foi agora empurrado para 1 de Agosto.
Se é verdade que o princípio do utilizador pagador aparenta ser o mais justo no uso de um bem público, é perigoso aceitarmos cegamente a sua generalização. Mesmo que o assunto em questão sejam as Scuts – criadas por João Cravinho, ex-ministro do tão injustamente vilipendiado governo de Guterres.
Sem entrar nas questões, mais polémicas, de modelos de financiamento de obras públicas ou prioridades orçamentais, é razoável ponderarmos no desequilíbrio territorial e demográfico do nosso país e sobre as respostas políticas que isso exigiu. A litoralização excessiva na ocupação do território, que nos inclina para o mar sem contudo dele vivermos, aconteceu sobretudo por ausência de planeamento quando a terciarização da nossa economia acelerou o êxodo rural. Enchemos as grandes cidades e as suas periferias porque era aí que havia empregos melhor remunerados.

Tivemos depois de correr atrás do prejuízo, sabendo de antemão que sem boas acessibilidades não é possível uma ocupação equilibrada do território. O plano rodoviário nacional que se foi desenvolvendo, sempre com a preciosa ajuda dos dinheiros comunitários, veio corrigir essas assimetrias, contribuindo também para diminuir acentuadamente o número de mortes e estropiados nas estradas portuguesas. Uma correcção tardia, infelizmente.

Agora, precisamente a A-23, a única Scut que cruza o nosso distrito, entre Torres Novas e Abrantes (mais os 178 km até à Guarda), está também ameaçada de ser portajada, o que a acontecer será um tremendo erro político. Sobretudo pelo que isso significa como risco para o desenvolvimento da economia local e regional.
Se para vencer o isolamento, que tanto encarece o negócio da distribuição, vamos ainda portajar a distância, só podemos tornar o débil investimento no interior do país mais improvável ainda.
O Governo avançou com uma proposta de isenção de portagens para os municípios (46 no total do país) onde o poder de compra esteja abaixo da média nacional. Acontece que, ao longo de toda a A-23, só no Entroncamento iríamos pagar portagem. Um absurdo, pelos custos que comportaria o processo de cobrança para tão magras receitas. Mas tudo é possível, nestes tempos em que a errância política e o disparate parecem ter tomado conta do país.


Por: Joaquim Duarte, editorial jornal O Ribatejo, 02 de Julho de 2010

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