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"Só falta fechar a igreja!", ironiza o último presidente da junta de freguesia, Firmino Oliveira. O derradeiro sinal do Estado em Vaqueiros é agora a delegação da União de Freguesias de Casével e Vaqueiros, a funcionar diariamente nas instalações da antiga sede da junta e onde a população ainda pode tratar de alguns assuntos.
A sangria de serviços vai obrigando as pessoas a alterarem rotinas e a confrontarem-se com novas realidades. As cinco crianças que frequentavam o Centro de Apoio e Integração de Crianças (CAIC) - equipamento municipal que garantia o ensino pré-escolar na aldeia - vão agora para Casével ou Pernes, consoante a opção dos pais. Caminhos que os alunos do 1º ciclo também passaram a fazer no ano passado após o encerramento da escola. Há ainda crianças a frequentar o ensino no concelho vizinho de Alcanena, onde os pais trabalham, como é o caso do pequeno Rodrigo.
Martim esteve dois anos no CAIC. Este ano vai para o jardim de infância de Pernes, vila que fica a meia dúzia de quilómetros e onde trabalha a mãe, Filomena Pinto. A opção Casével não agradou à progenitora, em parte por não concordar com o processo de agregação de freguesias, e preferia que tudo continuasse como dantes. "Vão para uma escola com duas salas de jardim de infância mais as salas de primeiro ciclo. É uma mudança muito grande, para mais nestas idades", diz.
Para o jardim de infância de Pernes vai também Maria Leonor, cujo pai, Ricardo Correia, não se conforma com o encerramento do CAIC, um equipamento construído pela Câmara de Santarém há cerca de 20 anos e que tinha qualidade. Agora está sem utilização. "Tínhamos aqui excelentes condições. Fico triste pelo fecho do CAIC. As crianças deviam manter-se em Vaqueiros pelo menos até à escola primária", diz, lembrando que na aldeia as crianças tinham ainda o apoio extra dos avós caso fosse necessário
"Já não se vêem crianças por aqui"
"Isto agora é uma tristeza, já não se vêem crianças por aqui", lamenta Ana Margarida, dona de um dos dois cafés da aldeia. A mercearia que tinha fechou e o café lá se vai aguentando, a custo. "Vai cada vez mais gente embora porque não há nada aqui, vão para Alcanena, para Torres Novas, para Santarém", diz a comerciante.
À porta do estabelecimento estão dois idosos sentados a aproveitar o sol matinal. Lá dentro está Maria Amélia Rodrigues, 77 anos, sogra de Ana Margarida e antiga dona do café, nascida e criada em Vaqueiros antes de rumar a Moçambique onde esteve até 1974. Tal como ela, a população de Vaqueiros deixou de ter médico na terra. Agora têm de ir a Pernes à consulta ou para levantar receitas. "Temos que ir ao médico a Pernes com uma coisa tão boa aqui. Isto está do pior, fecham tudo!", queixa-se a idosa.
Firmino Oliveira diz que sempre foi complicado conseguir fixar casais jovens em Vaqueiros devido às restrições impostas à construção pelo Plano Director Municipal (PDM). "Foram chumbados projectos como o de um complexo turístico e de um conjunto de 20 habitações unifamiliares na Cabeça Gorda que podiam ter sido grandes mais-valias", exemplifica.
No outro café da aldeia, os proprietários, Lina Jorge e António Jorge Varanda, também têm uma história dessas para contar, de que é vítima uma filha do casal que ali quis construir casa e não conseguiu levar o seu projecto por diante devido às condicionantes do PDM. "É esse tipo de dificuldades e restrições que não dão para entender. Querem concentrar tudo nas cidades. Eles pensam que devem acabar com as terras pequenas e acabam", diz António Jorge.
As famílias de Filomena Pinto e Ricardo Correia não deixaram Vaqueiros graças às habitações a custos controlados que ali foram construídas há alguns anos pela Câmara de Santarém em articulação com a junta de freguesia local. Uma aposta que permitiu fixar casais jovens e crianças.
Aliás, não foi por falta de investimento em equipamentos que a aldeia perdeu serviços e gente. A antiga escola (datada de 1920 e entretanto recuperada), o CAIC, o edifício da extinta junta de freguesia e a extensão de saúde são disso exemplos. Dinheiro desbaratado? Firmino Oliveira lamenta que esses espaços estejam fechados e aponta o dedo à administração central e ao município. "Isto depende da estratégia de quem decide, de se reflectir como se dá vida a uma terra", diz.
Extinção da freguesia deixou marcas
O processo de agregação de freguesias causou divisões entre a população e afectou relacionamentos. Um ano passado sobre essa medida, ainda há quem tenha dificuldade em conformar-se com a nova realidade. Manuel Silva, 56 anos, do lugar de Rodeados, junto ao rio Alviela, onde se chega através de uma estrada de terra e pedras que mais parece uma picada, diz que este ano, pela primeira vez na vida, faltou à festa de Vaqueiros.
"Não fui à festa nem contribuí para a mesma. Não me sinto lá bem. Tem a ver com a gente ter perdido a freguesia e de algumas pessoas se terem aliado às pessoas lá de cima", diz referindo-se à freguesia de Casével. "A minha grande revolta é essa", afirma à porta de casa, acompanhado pelo sogro Júlio Marques e pelo filho Bruno Silva, que secundam a sua opinião. Manuel diz que não tem nada contra os vizinhos de Casével, mas discorda da agregação com essa freguesia. "Podiam ter dado a escolher para onde queríamos ir e não impingirem-nos esta solução", exclama.
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