As portagens não têm futuro
Publicado ontem
A maior parte dos leitores só costuma pagar classe 1 nas portagens. Se tivesse que pagar classe 2, 3 ou 4, não ia acreditar. Uma carrinha média, tipo Ford Transit, paga quase 150 euros em classe 2 para uma ida e volta do Porto ao Algarve. Junte-se o valor do gasóleo (vamos imaginar 10 litros aos 100) e os 1200 quilómetros custam 168 euros (a 1,40 euros). Ou seja, esta pequena viagem - à escala europeia - fica por mais de 300 euros. Que pequeno negócio vende produtos que consigam incorporar margens para estes custos? Que agricultura, pequena indústria ou turismo sobrevive a mais de 100 quilómetros de Lisboa e Porto? Como exportar se não há ferrovia e os barcos são demasiado grandes para encomendas das PME?
Do ponto de vista de transporte, ou de férias, Espanha é muito mais barata e pode atravessar-se quase totalmente em autoestrada sem portagens. O mesmo se passa com a França onde uma rede de estradas secundárias com duas faixas de cada lado permite viajar sem pagar. Os ingleses têm portagens apenas em Londres, a Bélgica e a Alemanha, por exemplo, não têm estes custos, assim como outros países concorrentes das nossas empresas.
Portugal está a fazer o contrário. Autoestradas com preços altíssimos e estradas nacionais, entupidas e perigosas, a onerar a manutenção da Estradas de Portugal (paga por todos os contribuintes) são um garrote à produtividade. Ninguém pode culpar a Brisa e a Ascendi (da Mota-Engil) e as outras detentoras de 120 PPP (parcerias público-privadas) rodoviárias de serem bem geridas, mas estas empresas representam um oligopólio de alta rentabilidade à custa da economia real e vão custar este ano 1750 milhões de euros. Ainda por cima atualizam as portagens sempre pelo valor da inflação, apesar da economia portuguesa já ter mingado quase 15% nos últimos anos. As SCUT são a repetição deste erro (preços altos, barreiras à circulação, custos absurdos para implantar os sistemas de pagamento) pelo país inteiro.
Uma parte da modernização do país esbarra nas portagens. Sócrates e agora Passos Coelho estabeleceram muitas medidas de racionalização de custos no país (concentração de especialidades hospitalares e de tribunais nos distritos, por exemplo). Mas esta 'centralização de meios' torna os custos da periferia ainda mais injustos.
Como resolver o problema sem aumentar os impostos? Seria necessário, provavelmente, antecipar o fim da concessão de autoestradas aos privados e substituí-las por uma alternativa de pagamento mais justa - uma pequena taxa no combustível com custo idêntico ao que hoje representam as portagens e a manutenção de todas as vias. Porque hoje o princípio do "utilizador-pagador" está a ser aplicado apenas às autoestradas, mas há uma rede nacional e municipal de estradas sem qualquer custo e intensamente usadas.
Um pequeno acréscimo sobre o combustível (as complexas contas dariam um artigo por si só), disseminado por muito mais gente, teria o efeito de não fazer pesar os custos das infraestruturas apenas sobre o interior ou sobre a economia que produz bens físicos. Assim baixava-se, e muito, o valor da circulação de pessoas e bens ao longo de todo o país (medida descentralizadora). As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde está o principal rendimento nacional, eram chamadas a participar no valor das infraestruturas (incluindo as suas CRIL, IC19, VCI, grande avenidas e túneis), o que talvez diminuísse as filas e a poluição nas cidades.
Com combustível mais caro incentivava-se o uso mais intensivo dos transportes públicos (que assim diminuiriam o défice de exploração) ao mesmo tempo que se desincentivava o transporte individual nas cidades. Cada euro pago em transportes públicos vale por dois: um euro que abate ao défice dessas empresas e um euro que não vai para os produtores de petróleo.
O combustível representa 75% da fatura energética do país e a mobilidade dos portugueses (combustível, portagens, carro, seguros e sinistralidade) é já mais cara do que o custo médio com a própria habitação, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Qualquer medida que ataque o centro deste problema nacional tem de ser equacionado sob pena de andarmos a fingir que mudamos alguma coisa na competitividade da economia e no equilíbrio da balança comercial.
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