"Obedeçam", fotograma do filme "Eles vivem" de John Carpenter |
Fixem estes valores.
Cerca de 20 mil milhões de euros anuais é o volume de contribuições sociais, pagas pelos trabalhadores (cerca de um terço) e pelo patronato (cerca de dois terços) para proteger a vida dos trabalhadores nas eventualidades que atravessam a sua vida, desde o nascimento, a infância, a formação profissional, passando pela doença, o desemprego, pela velhice, até à morte. E ainda mais cerca de 20 mil milhões de euros que é o capital detido pelo Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, uma espécie de "almofada" para casos de ruptura.
Agora, pensem como um banqueiro ou como um accionista de uma companhia de seguros. Imaginem no que poderiam fazer com esse dinheiro. São 20 mil milhões todos os anos - cerca de 6% do total de depósitos do sector bancário no 2º trimestre de 2022. Mas esse dinheiro está nas mãos do Estado para protecção dos trabalhadores. Pensem como poderiam convencer o Governo e os trabalhadores de que esse dinheiro está melhor nas suas mãos no que nas mãos de um Estado.
Primeiro passo: criem um cenário de risco, de caos, de "insustentabilidade" das pensões, do sistema da Segurança Social.
Segundo passo: façam a sugestão ao Governo de criar uma comissão - digam que é uma comissão técnica - que estude os "desafios" pela frente e como atenuar os risco. Omitam os efeitos negativos das políticas que defenderam noutros tempos: que era necessário uma recessão (para, ao criar desemprego, baixar salários ou inflação) ou que era necessário que os salários nominais descessem (para aumentar a competitividade nacional). Digam que é para estudar.
Terceiro passo: escolham para presidente dessa comissão "técnica" alguém desconhecido, de baixo perfil, sem capital político, sincero, bem intencionado, para dar um ar de credibilidade: afinal, trata-se de uma comissão menor, para discutir minudências técnicas de um assunto longínquo. Para a composição da comissão, proponham vários nomes "amigos" (em maioria ou mais influentes) e outros nem tanto (em minoria ou menos influentes, para "compor o ramalhete"). Como equipa "técnica", afastem da composição os representantes dos principais interessados - os trabalhadores.
Quarto: Enquanto a comissão trabalha, lancem uma nuvem de opiniões na comunicação social. Para isso, contratem agências de comunicação que organizem conferências, encontros, debates, sugiram reportagens, passem dados estatísticos, relatórios da Comissão Europeia (os seus serviços são "amigos"). Convoquem os jornalistas para encontros informais, pequenos almoços, almoços, jantares, festas, férias na neve. Não, férias é demais. O Ricardo Salgado é que fazia isso e não se deu bem.
No fundo, criem um ambiente propício para que, quando a comissão técnica surgir com o seu "livro verde" - com ideias no mesmo sentido das conversas havidas - tudo passe como faca quente na manteiga. Os jornalistas já estarão ambientados com os conceitos, com a narrativa traçada, com o diagnóstico feito, com a terapia sugerida. Todos falarão do mesmo. E todos - comentadores e jornalistas - passarão uma mensagem para os trabalhadores: façam o que vos digo ou terão pensões mais baixas.
Repitam comigo: Façam o que vos digo ou terão pensões mais baixas.
Façam seguros de reforma ou terão pensões mais pequenas. Façam fundos de pensões de empresa ou terão pensões mais baixas. Façam fundos de pensões sectoriais ou terão pensões mais baixas. Aprove-se benefícios fiscais para as empresas que criem esses fundos de pensões ou terão pensões mais baixas. Aprove-se benefícios fiscais para os fundos de fundos de pensões ou terão pensões mais baixas. Nomeei-se "amigos" para as autoridades reguladoras dos sectores bancário e segurador para que falem a mesma linguagem ou terão pensões mais baixas.
Este é o primeiro plano. Depois, a prazo, falaremos do valor da TSU. Mas não é para já...
Vá, repitam comigo!
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