sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Burla ao quadrado na "reequilíbrio" das PPP

 

A per­gunta que o Tri­bunal de Contas não fez

A opção por uma par­ceria pú­blico-pri­vada «de­verá jus­ti­ficar o value for money, isto é, evi­den­ciar van­ta­gens acres­cidas, em re­lação à opção tra­di­ci­onal de fi­nan­ci­a­mento di­recto, por via do Or­ça­mento do Es­tado, e não ser ali­cer­çada em mo­ti­va­ções de ín­dole or­ça­mental re­la­ci­o­nadas apenas com a con­ta­bi­li­zação off-ba­lance sheet da dí­vida pú­blica».

A tese é do Tri­bunal de Contas (TdC), que a in­clui no seu ma­nual «Li­nhas de Ori­en­tação (Guide Lines) e Pro­ce­di­mentos para o de­sen­vol­vi­mento de Au­di­to­rias Ex­ternas a PPP», pre­ten­dendo le­gi­timar uma «boa PPP», por via das «van­ta­gens acres­cidas».

Con­tudo, par­tindo de uma pers­pec­tiva da classe do­mi­nante, o TdC não as­sume que qual­quer PPP é, logo à par­tida, uma burla.

Ad­mitir uma «boa PPP», com o pri­vado a in­vestir e o Es­tado a re­mu­nerar esse in­ves­ti­mento, é uma po­sição que se des­mo­rona, mal surge uma sim­ples per­gunta: porque não in­veste o Es­tado di­rec­ta­mente?

É que, logo à par­tida, a «boa» re­mu­ne­ração que um pri­vado obtém numa PPP é sempre maior do que a taxa de juro que o Es­tado pa­garia pelo in­ves­ti­mento pú­blico. Se assim não fosse, o «bom» pri­vado não ga­nhava nada com a PPP e iria pro­curar outra fonte de lucro maior e mais rá­pido.

Pagar mesmo quando a obra não existe

O pro­cesso da sub­con­cessão ro­do­viária do Al­garve Li­toral ainda está em tri­bunal ar­bi­tral, que já con­denou a IP, cau­te­lar­mente, a pagar 49 mi­lhões de euros, em 2021, e 14 mi­lhões, em 2022. O pe­dido de in­dem­ni­zação global é de 445 mi­lhões.

Tudo re­monta a uma re­ne­go­ci­ação do con­trato a que o Tri­bunal de Contas re­cusou o visto, pois os pa­ga­mentos ao Es­tado di­mi­nuíam de 168 para 28 mi­lhões de euros. O con­trato foi al­te­rado e o visto acabou por ser dado.

Só que uma audi­toria do Tri­bunal de Contas viria a re­velar que os par­ceiros – os bancos fi­nan­ci­a­dores, Es­tradas de Por­tugal (IP, Infra-es­tru­turas de Por­tugal, desde 2015, com a Refer) con­sórcio pri­vado – ti­nham con­tor­nado o con­trato, por via de um anexo sobre «com­pen­sa­ções con­tin­gentes», que pas­savam a ser de­vidas pra­ti­ca­mente sem con­di­ções. A IP viu-se in­ti­mada pelo TC a deixar de pagar essas verbas e, ao mesmo tempo, con­de­nada pelo tri­bunal ar­bi­tral a pagá-las.

Nin­guém está preso, nem se­quer jul­gado, e o di­nheiro con­tinua a fluir do Es­tado para os pri­vados, mais uns mi­lhões para ali­mentar os grandes es­cri­tó­rios de ad­vo­gados.

O con­ces­si­o­nário pri­vado já re­cebeu mi­lhões de euros de uma obra que não re­a­lizou.

O Al­garve con­tinua sem ver so­lu­ci­o­nado o pro­blema da re­qua­li­fi­cação da EN 125.

Alta velocidade para «lucros esperados»

A PPP para a li­gação fer­ro­viária a Ma­drid, em alta ve­lo­ci­dade, es­tava con­tra­tu­a­li­zada com o con­sórcio ELOS, mas o Tri­bunal de Contas re­cusou o visto ao con­trato.

governo de Passos Co­elho apro­veitou para can­celar a em­prei­tada e a PPP.

O par­ceiro pri­vado re­correu a um tri­bunal ar­bi­tral e este de­cidiu que o Es­tado tinha de in­dem­nizar o pri­vado pelos custos do pro­cesso (o que se po­deria con­si­derar na­tural) e igual­mente pela ex­pec­ta­tiva de lu­cros da ELOS.

Sem visto do Tri­bunal de Contas, o con­trato não é vá­lido. Como pode o Es­tado ser obri­gado a in­dem­nizar al­guém por causa de um con­trato in­vá­lido? É o que per­gunta o Go­verno, no pe­dido de anu­lação da de­cisão do Tri­bunal Ar­bi­tral.

Só que os tri­bu­nais têm-se li­mi­tado a julgar a va­li­dade ju­rí­dica do re­curso a um tri­bunal ar­bi­tral.

Já o facto de um pri­vado re­ceber 192 mi­lhões por frus­tradas ex­pec­ta­tivas de lu­cros, ga­nhando 192 mi­lhões por uma obra que não exe­cutou – só o PCP tem achado es­can­da­loso.

A ANA quer e o Go­verno dá

De 2013 a 2021, a ANA (Grupo Vinci) re­gistou re­sul­tados lí­quidos po­si­tivos de 1110 mi­lhões de euros, já in­cluindo o pre­juízo de 79,7 mi­lhões que re­gistou em 2020, no pico dos im­pactos da pan­demia sobre o sector aéreo.

Con­se­guiu uma re­mu­ne­ração do ca­pital in­ves­tido su­pe­rior a 50 por cento!

Pois, apesar destes re­sul­tados, acha-se no di­reito de exigir mais 214 mi­lhões para re­e­qui­li­brar a con­cessão, por causa do ano 2020! E já in­formou que vai avançar para tri­bunal ar­bi­tral.

Governo já está a ceder. Au­to­rizou o au­mento de 40 mi­lhões de euros, por ano, nas taxas de se­gu­rança ae­ro­por­tuá­rias. A isto soma-se a ce­dência aos in­te­resses da mul­ti­na­ci­onal no caso do novo ae­ro­porto de Lisboa.


O favor de re­ceber e de exigir

A PPP do Oce­a­nário de Lisboa é talvez a mais ex­tra­or­di­nária destas «parcerias».

O Oce­a­nário es­tava cons­truído e a fun­ci­onar, dava um lucro anual de cerca de 1,3 mi­lhões de euros, cum­pria a sua função pe­da­gó­gica, ci­en­tí­fica, cul­tural e lú­dica.

Em Julho de 2015, foi con­ces­si­o­nado, por 30 anos, à So­ci­e­dade Fran­cisco Ma­nuel dos Santos (SFMS). Aac­ci­o­nista mai­o­ri­tária do Grupo Je­ró­nimo Mar­tins (que em 2017 criou a Fun­dação Oceano Azul, a quem doou a con­cessão) pagou 114 mi­lhões de euros, uma parte ín­fima do custo da cons­trução do Oce­a­nário.

Na al­tura da con­cessão, foi anun­ciado o com­pro­misso dSFMS de in­vestir, a fundo per­dido, 40 mi­lhões de euros, nos pri­meiros dez anos, e de rein­vestir no pró­prio Oce­a­nário todo o re­sul­tado da con­cessão. Ou seja, re­cebeu um equi­pa­mento único no mundo, cons­truído pelo Es­tado por­tu­guês, e ainda se van­glo­riou, como se es­ti­vesse a fazer um favor ao País!

Du­rante os pri­meiros quatro anos da con­cessão, o Oce­a­nário teve lu­cros de 7,9 mi­lhões de euros, e re­a­lizou um in­ves­ti­mento de 11 mi­lhões de euros, in­te­gral­mente co­berto pelas re­ceitas pró­prias.

Che­gados a 2020, a COVID-19 abateu-se sobre o fun­ci­o­na­mento do Oce­a­nário, que re­gistou, em dois anos, um pre­juízo total de 7,8 mi­lhões de euros e reduziu o in­ves­ti­mento para menos de um mi­lhão de euros, nos dois anos.

Nada de «anormal», apesar de o facto ser de re­gistar, prin­ci­pal­mente por aqueles que acre­ditam que a gestão pri­vada é imune a este tipo de per­calços.

E, apesar do muito que pro­meteu quando re­cebeu a con­cessão, em­presa já co­locou um pe­dido de reequi­lí­brio fi­nan­ceiro, exi­gindo ser com­pen­sada com um pro­lon­ga­mento da con­cessão por mais 19 anos e meio.

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