quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

OPINIÃO: Não é preciso muita imaginação para perceber as razões do protesto dos professores


 

Ricardo Paes Mamede

11 h  · 

Não é preciso muita imaginação para perceber as razões do protesto dos professores:

1. Precariedade dos professores contratados (são 20% do total de docentes; podem demorar mais de 16 anos a conseguir aceder à carreira, arriscando-se a saltar de escola em escola até lá; recebem em termos líquidos cerca de mil euros por mês, tendo com frequência de suportar despesas acrescidas de deslocação e estadia).

2. Deslocações dos professores efectivos em quadros de zona pedagógica (não apenas os contratados, mas também muitos docentes de carreira chegam a fazer deslocações diárias de 200 quilómetros).

3. Entraves à progressão na carreira (um professor com 50 anos de idade e 25 anos de tempo de serviço em geral não foi além do 4º escalão, levando para casa entre 1000 e 1400 euros; mesmo que tenham sido excelentes professores em todos os anos lectivos, com grande probabilidade nunca chegarão ao topo da carreira).

4. Sistema de avaliação (é pouco útil como instrumento de melhoria de desempenho, não premeia os melhores e não permite afastar do sistema aqueles que não deviam ser professores).

5. Perda de poder de compra (tal como os restantes funcionários públicos, tiveram os salários nominais congelados praticamente todos os anos desde 2000; por cima disto, só em 2022 perderam pelo menos 5% do seu poder de compra).

6. Degradação das condições de trabalho (a perda real de salários e o congelamento das carreiras dos professores aconteceram ao mesmo tempo que aumentava o número de alunos por turma, aumentava a carga lectiva e burocrática, deixavam de beneficiar de reduções de horário por motivos de idade, aumentava a escolaridade obrigatória - e com ela os problemas sociais e disciplinares com que as escolas têm de lidar - diminuía nas escolas o número de auxiliares e de técnicos especializados - psicólogos, assistentes sociais, etc.).

7. Perda de estatuto social (a acrescer à precariedade, à perda de poder de compra e à degradação das condições de trabalho dos professores, sucessivos governos não hesitaram em atacar a classe docente, tentando assim legitimar os cortes orçamentais que impunham no sector; em 2019, numa manobra que prenunciava o fim da Geringonça, António Costa ameaçou demitir-se caso o Parlamento aprovasse qualquer reconhecimento do tempo de serviço que tinha sido congelado, não resistindo à tentação de tratar os professores como “privilegiados”).

Sete razões são suficientes para justificar o protesto dos professores. A questão agora é saber i) se o governo está em condições de perceber e dar resposta às razões do protesto, ii) se os sindicatos têm uma atitude construtiva nas negociações (e.g., levando propostas suas para a discussão) e iii) se os professores se deixam levar por quem está mais interessado em fazer o protesto pelo protesto do que em fazer avançar as condições de trabalho nas escolas. Há que ter esperança.

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