SANTANA-MAIA LEONARDO
I
A Ordem dos Advogados deliberou realizar, pela primeira vez na sua história, no dia 15 de Julho, pelas 14H30, junto à porta da Assembleia da República, um Protesto Nacional contra o Novo Mapa Judiciário. Trata-se de um acontecimento único e o último recurso a que os advogados nunca gostariam de ser obrigados a recorrer.
No entanto, face à gravidade das consequências para as populações que vivem fora dos grandes centros urbanos e a leste da A1 (que vão ser duramente penalizadas e brutalmente discriminadas), não restava aos advogados portugueses outra alternativa a não ser sair a terreiro em defesa das populações mais desfavorecidas.
É, por isso, com alguma surpresa que vejo alguns advogados vir para os jornais procurar desmobilizar os colegas com a argumentação conformista de que se trata de uma causa perdida, apesar de reconhecerem que é uma causa justa. Ora, para um advogado, uma causa justa nunca está perdida enquanto houver uma última instância de recurso. A não ser que sejam advogados da parte contrária, bem entendido.
Ou seja, como se já não bastasse termos de enfrentar uma comunicação social sempre disposta a vender o produto governamental de que todas as revoluções estruturais, por mais estúpidas que sejam, são sempre bem vindas, ainda temos de nos preocupar com o trabalho de sapa dos Migueis de Vasconcelos. Era bom, no entanto, não esquecer que nem o único móbil das diferentes classes profissionais é a defesa intransigente dos seus privilégios, nem os membros do Governo são assim tão magnânimos que apenas se movam na defesa dos interesses nacionais.
Esta reforma do mapa judiciário, sublinhe-se, tem subjacente um modelo de desenvolvimento do país assente na Cidade Estado, o que significa uma opção política clara pela concentração de investimentos e da população na faixa litoral Lisboa-Porto e o consequente abandono do restante território nacional. E não se venha com o argumento da racionalidade económica e da celeridade processual, porque a ministra da Justiça sabe bem, como já reconheceu, que se trata uma reforma cara e dispendiosa e que os processos vão sofrer substanciais atrasos, por força da redistribuição de milhões de processos a novos juízes. Ou seja, em nome do desígnio governamental de encurtar do país, o Governo prefere gastar mais desertificando do que poupar mais equilibrando. E consumada esta reforma, todas as outras lhe seguirão o exemplo, até porque deixa de haver capacidade para inverter a situação.
O Protesto Nacional é, também por essa razão, a última trincheira em defesa de um Portugal inteiro, equilibrado e harmonioso. Este Protesto Nacional devia, por isso, mobilizar todos os portugueses porque a causa é verdadeiramente nacional e interessa a todos.
Infelizmente a ganância cega e esta sempre foi a perdição dos gananciosos. E a maioria dos autarcas das capitais de distrito, quando o Governo lhes acenou com a concentração de todos os tribunais na sede do distrito, ficaram completamente cegos e incapazes de raciocinar. Acontece que os concelhos e os distritos são como as pessoas. Ninguém vive só com a cabeça por muito inteligente que seja. A força de uma capital de distrito depende da pujança das cidades e vilas do distrito. E esta reforma do mapa judiciário, que vai ser a mãe de todas as reformas, vai pura e simplesmente liquidar todas as cidades dos distritos do interior e, com ela, vão definhar e morrer os próprios distritos, da mesma forma e pelo mesmo processo que estão a morrer os concelhos do interior.
Quanto aos advogados portugueses, era bom que percebessem que o insucesso do Protesto iria descredibilizar definitivamente a Ordem dos Advogados, retirando-lhe qualquer poder negocial e de representação dos advogados, ficando o exercício da advocacia nas mãos dos grandes grupos económicos e das grandes sociedades de advogados. No dia 15, veremos quantos advogados vão dar voz por Portugal e quantos se vão esconder debaixo das saias da Duquesa de Mântua que administra a Justiça ao serviço do poder económico e contra os interesses de Portugal e do povo português.
II
O povo português, não há como negá-lo, sempre nutriu uma reverência saloia pelo uso dos “dr” e “eng”. Mas também é verdade que, com a democratização do ensino, o uso destes apêndices se generalizou, deixando de ser uma referência elitista. E hoje não sei o que é mais pindérico: se o tratamento por “dr” ou o pretender-se acabar com ele com o argumento de que, no estrangeiro, ninguém o usa. Ora, o que faz Portugal ser uma nação diferente é precisamente ter uma identidade cultural própria. Não temos, por isso, de nos “estrangeirarmos”.
E era bom não esquecer que o “you” inglês não corresponde ao nosso “tu”. Sendo certo que os portugueses não conhecem o meio-termo, oscilando sempre entre o 8 e o 80. E a verdade é que o tratamento por “dr” acaba por funcionar, quase sempre, como o único travão para a conversa não descambar na falta de respeito e de educação. Os professores ainda hoje estão a pagar o preço dos facilitismos de linguagem em que se deixaram enredar no pós-25 de Abril em que era tudo “tu cá, tu lá”.
Quanto à deliberação da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo de acabar com o tratamento por “dr” e “eng”, o que escandaliza não é propriamente o fim deste tipo de tratamento nas Assembleias e na Câmara (até é ridículo ter de haver uma deliberação para esse efeito) mas a invocação do princípio republicano da igualdade para fundamentar a deliberação e a pretensão de a estender a toda a área do município, quando é certo que as Quintas dos Animais em que se transformaram as nossas autarquias são as mais ferozes opositoras à implantação do princípio republicano de não perpetuação das mesmas pessoas no poder.
Aliás, se dermos a volta a Portugal facilmente constatamos que quase todos os municípios têm o seu porco Napoleão que gere a seu bel-prazer toda a vida do município, ao ponto de agora até querer impor a forma como as pessoas se tratam. Não tarda nada até os meus filhos vão ser impedidos de me tratar por pai, por imposição do princípio republicano da igualdade que apenas admite, pelos vistos, três excepções: "presidente da câmara", "vereadores" e "deputados municipais". Obviamente. Na Quinta dos Animais, há sempre uns animais mais iguais do que os outros...
E não me venham com a lengalenga de que a perpetuação monárquica dos autarcas nos cargos decorre do voto popular porque um factor crucial para se considerar que uma democracia está consolidada é, segundo Samuel Huntington, o chamado "double turnover test": a realização de, pelo menos, duas eleições livres com mudança das maiorias vencedoras.
Ora, em Portugal, poucas são as autarquias que se podem gabar de ter uma democracia consolidada. E não têm uma democracia consolidada porque o presidente da câmara controla todo o colégio eleitoral através de subsídios, emprego público, contratação pública, colocação de homens de mão nas associações, controlo da comunicação social local, etc. Situação que vai agora ser reforçada com a entrega aos municípios das escolas básicas e secundárias. Bem prega Frei Tomás…
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