sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Opinião

Serviço público e TDT

 
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TDT_tv
Como é do conhecimento público, a transição para a televisão digital terrestre (TDT) em Portugal não foi exactamente exemplar. Depois de um falso arranque em 2001, o modelo que viria a ser lançado em 2008, contemplando uma componente gratuita irrisória face à oferta paga, continha os ingredientes certos para falhar. Falhanço anunciado não só pela experiência estrangeira (a falência dos modelos pagos em Espanha e em Inglaterra e a sua rápida substituição por bem sucedidos modelos de TDT gratuita, verdadeiramente atractivos e alternativos às implantadas plataformas de satélite e de cabo) como pela ausência de autênticos incentivos à migração ao nível da oferta básica.
Foi na realidade um erro pretender fundamentar o valor acrescentado da plataforma gratuita (MUX A) num 5.º canal generalista que, a concretizar-se, rapidamente integraria a oferta paga já existente, e num canal em alta definição, a partilhar por RTP, SIC e TVI que, para além de supor um improvável investimento massivo em aparelhos de televisão capazes de beneficiar da tecnologia ou em dispendiosos descodificadores que pelo menos permitissem a recepção dessas emissões, não demonstrava qualquer racional económico para funcionar.
Se a isto acrescentarmos o abandono da operação paga (MUX’s B a F) pela PT Comunicações que, depois de afastar a concorrente Airplus, decidiu, com a anuência da ANACOM, entidade que via no sucesso da TDT “um desígnio colectivo e nacional”, centrar-se no seu auspicioso negócio MEO, lançado muito antes de se ter vinculado aos exigentes termos do concurso da operação de TDT; e se registarmos os cortes nas emissões que, frequentemente, atenta a inadequação do tipo de rede, deixam sem som e imagem uma indeterminada fatia dos 30% da população que hoje dependem da TDT para receber televisão (problema cuja resolução completa a mesma entidade reguladora remete para 2015), temos a traços largos desenhado o aflitivo panorama da TDT em Portugal.
Aqui chegados – de acordo com dados de Dezembro de 2012, com a oferta mais pobre de TDT na Europa -, é agora necessário, aprendendo com os erros do passado e com as melhores práticas europeias, delinear um modelo de TDT que proporcione um serviço condigno de televisão gratuita aos portugueses.
Diversas instâncias europeias de que Portugal é parte evidenciam o insubstituível papel do serviço público de media na dinamização da oferta de TDT, como forma de assegurar informação confiável, entretenimento distinto e formação cultural e cívica a todos os cidadãos. Só no âmbito do Conselho da Europa, recorde-se a Recomendação (2003) 9, do Comité de Ministros, quando propugna, no âmbito da transição para a TV digital terrestre, na qual o serviço público “deve desempenhar um papel central”, a criação de novos canais especializados do serviço público “por exemplo no campo da informação, da educação e da cultura”; a Rec (2007) 3, quando lembra que a criação de novos serviços pelo serviço público é a chave para garantir a universalidade e efectiva diversidade da oferta televisiva; ou a Rec 1878 (2009), esta da Assembleia Parlamentar, quando exorta os parlamentos nacionais a reservar ao serviço público uma porção adequada de espectro hertziano, mesmo depois do desligamento do sinal analógico.
E, na verdade, a esmagadora maioria dos países europeus depositou na oferta do serviço público, em especial através do lançamento de novos canais temáticos, o sucesso da TDT. A título de exemplo, de acordo com dados de 2011, e sem contar com a robusta oferta generalista ou regional dos operadores públicos, o serviço público alemão tem 8 canais temáticos na oferta gratuita da TDT, o italiano 11, o inglês 4, o espanhol e o dinamarquês 3, o francês, o austríaco, o sueco e o romeno 2.
É por isso espantoso o alarido que as televisões privadas têm feito à volta da ideia de disponibilizar, para acesso gratuito dos cidadãos, canais temáticos do serviço público de televisão, pagos por todos nós, no espaço que hoje permanece subaproveitado na única plataforma de TDT em funcionamento em Portugal.
Existindo espaço suficiente no MUX A para 3 novos canais em definição standard – mas não em alta definição, como pretendem SIC e TVI –, nada mais legítimo do que avançar, desde já, com o lançamento de canais temáticos do serviço público, até porque, ao contrário do que sucede com os canais privados, e a lei é clara nesse sentido, ao serviço público não se exige, para emitir, a obtenção de qualquer licença através de concurso público, processo moroso e de resultado incerto, bastando para o efeito o contrato de concessão. Ao governo bastaria, portanto, alterar os termos da ocupação do MUX A, promovendo a ANACOM, em conformidade, a alteração do título habilitante da entidade gestora.
É evidente que o serviço público seria apenas uma resposta imediata e incompleta para a questão da TDT. A avaliação das potencialidades do dividendo digital para serviços de comunicação social está ainda – inacreditavelmente – por fazer. Recorde-se que, muito embora fortemente pressionado pelas exigências dos serviços de comunicações móveis, o espaço libertado pelo termo das emissões analógicas de televisão permitia, à data do desligamento do sinal, grosso modo, 81 canais em definição standard ou 27 em alta definição. Inúmeras soluções são possíveis, ponderada a elasticidade do mercado e dirimida a questão do preço exorbitante cobrado pela PT para a distribuição do sinal televisivo, para ocupar, total ou parcialmente, este espaço, como o licenciamento de uma nova operação de agregação de canais, a abertura de concursos para novos canais privados, a promoção da retransmissão de canais emblemáticos do espaço comunitário ou a inevitável evolução para a alta definição.

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