segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Um caso de saúde pública na Madeira

Utentes criticam Governo Regional, farmacêuticos pedem intervenção do Presidente da República

.Na farmácia Santo António, no concelho do Funchal, as críticas entram na mesma proporção dos medicamentos que saem, no dia em que as receitas deixaram de ter comparticipação por dívidas do Governo Regional.

"Se não tiver dinheiro para comprar os medicamentos, vai-se roubar", disse Rosa Caldeira, de 69 anos, um metro e meio de altura cheio de revolta por uma situação que não esperava encontrar nesta idade.

"A gente trabalhou tanto, ajudou tanto o país e agora dá nisto", desabafou a utente, dirigindo um apelo ao Governo Regional: "Que resolva isto o mais rapidamente possível".

Em causa está a suspensão da venda a crédito de medicamentos que, desde as 00:00 de hoje, obriga os utentes a pagar a totalidade dos medicamentos nas farmácias do arquipélago.

A decisão da Associação Nacional das Farmácias segue-se ao incumprimento por parte do executivo liderado por Alberto João Jardim do plano de pagamentos da dívida às farmácias, no valor de 77 milhões de euros.

Como Rosa Caldeira, Ana Paula Castro, de 39 anos, também não poupa críticas ao Governo Regional. Hoje, deixou na farmácia 17,13 euros por um fármaco pelo qual desembolsaria, apenas, 5,37 euros se fosse feita a comparticipação.

"Nem sei que lhe diga, vai ter que ser. Acha que eles vão pagar as dívidas nestes dias?", questionou Ana Paula Castro, adiantando: "Isto piora a situação da minha cabeça".

Maria Correia, de 70 anos, acrescentou, na paragem pela farmácia antes de se dirigir ao hospital: "Com a saúde não se brinca".

"Se não comprar os medicamentos morro", declarou, depois de explicar a um dos funcionários que ainda não tinha disponibilizado na conta o dinheiro da reforma, pelo que iria pagar a sua dívida à farmácia no dia seguinte, esperando que o Governo Regional faça o mesmo.

Caso contrário, admitiu endereçar à Quinta Vigia, a presidência do Executivo madeirense, a sua conta da farmácia.

Na farmácia que esteve de serviço esta noite, a Luso Britânica, também no Funchal, a incredulidade tomou conta de quem, depois de uma ida à urgência do hospital, se viu obrigado a pagar os medicamentos na totalidade.

"Felizmente não eram coisas muito caras", afirmou Teresa Afonso, directora técnica do estabelecimento, sustentando que "também é difícil" a situação para os profissionais.

"Custa, sobretudo, ver as pessoas idosas, que descontaram uma vida inteira, que cumpriram os deveres e agora não têm direitos", apontou a responsável, que registou um acréscimo anormal de movimento depois de a reunião entre a ANF e proprietários das farmácias da região, ao final do dia de domingo, confirmar a posição da associação.

Segundo Teresa Afonso, "o movimento só parou às 23:30" de domingo: "Vinham comprar adiantado para pôr na dispensa, como eu costumo dizer".

Outras farmácias que não estavam de serviço abriram igualmente as portas para permitirem aos utentes que pudessem despachar as receitas.

O responsável da farmácia Santo António, Paulo Sousa, considera que esta é uma "questão de saúde pública" e "está acima de qualquer interesse
partidário", apelando ao Presidente da República para interceder.

"Tem uma filha que, como eu, é farmacêutica e tem obrigação de saber qual é a diferença entre a comparticipação nos medicamentos ou a pessoa tentar levantá-los sem essa comparticipação. Em muitos casos, principalmente, nas pessoas mais carenciadas, é a diferença entre fazer ou não fazer o tratamento", sustentou.

Nesta farmácia, como noutras, a muitos utentes com dificuldades, como é o caso de Rosa Caldeira, o estabelecimento permite que levem os medicamentos sem pagar até que a suspensão da venda a crédito seja levantada.

"Fazemos isto porque conhecemos a pessoa e sabemos que é uma situação de emergência", justificou o farmacêutico.
(in DN Funchal)

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