Observatório revela dados que provam impacto da crise na saúde
O Relatório de Primavera 2013 apresenta alguns indicadores preocupantes sobre os efeitos da crise, como o aumento de tentativas de suicídio e de casos de depressão e dificuldades de acesso a cuidados de saúde.
No relatório do ano passado, os especialistas do Observatório Português do Sistema de Saúde (OPSS) alertavam para um “país em sofrimento”, com indícios de racionamento que estaria a dificultar o acesso dos portugueses a cuidados de saúde. No deste ano, o documento estratégico desmascara as “duas faces da saúde”, confrontando a “versão oficial” com dados e estudos disponíveis sobre a “experiência real das pessoas”. Um dos estudos mostra, por exemplo, que, entre uma amostra de idosos com mais de 65 anos, residentes em Lisboa, cerca de 30% deixaram de utilizar alguns recursos de saúde por não poderem comportar os custos. Outro fala num aumento de 47% de tentativas de suicídio e de 30% dos casos de depressão registado numa unidade local de saúde.
Pela primeira vez, o Relatório da Primavera (que já vai na 14.ª edição) não faz a tradicional análise dos indicadores oficiais sobre o desempenho do SNS, com análises sobre os tempos de espera e outros dados. “Face à contínua lacuna de conhecimento, causa directa da inexistência de uma monitorização por parte do Ministério da Saúde, e perante o nível de análise dos dados dos serviços de saúde (cujos resultados não parecem indicar qualquer efeito da crise na saúde), o OPSS optou por recorrer a outros níveis de evidência”, avisam.
Além de estudos internacionais e outros trabalhos de investigação, os especialistas do OPSS fizeram também uma recolha de dados da sua responsabilidade. Há, por exemplo, os resultados de um questionário realizado em 2013, pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), abrangendo uma amostra de 1252 idosos (com mais de 65 anos) da Área Metropolitana de Lisboa, que revelam que “cerca de 30% responderam que já deixaram de utilizar alguns recursos de saúde por não poderem comportar os custos, sendo que, destes, cerca de 60% referiram a consulta particular, 48% a medicina dentária, 47% referiram a aquisição de óculos e aparelhos auditivos e 25% serviços públicos de saúde de primeira necessidade”.
No capítulo da “Saúde Mental e Suicídio, Evidência Nacional”, constata-se que, “em Portugal, não são conhecidos estudos que avaliem o impacto da crise na saúde mental das pessoas”. Porém, baseados nos registos dos médicos de família de uma unidade de saúde local sobre os casos de depressão e de tentativas de suicídio, os especialistas apresentam alguma evidência sobre a evolução deste indicador. “Na Unidade Local de Saúde do Alto Minho verificou-se, de 2011 para 2012, um acréscimo no diagnóstico de depressão de 30% para os homens e 31% para as mulheres. Já relativamente aos registos de tentativas de suicídio, e no mesmo período, verificou-se um acréscimo de 35% para os homens e 47% para as mulheres”.
O Relatório de Primavera 2013 tem uma capa com três pessoas sentadas na rua, junto a uma parede pintada com muitos pontos de interrogação, e tem um título: Duas Faces da Saúde. A explicação dos autores é simples: de um lado, temos um mundo “oficial, dos poderes, onde, de acordo com a leitura formal, as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo”. Esse será, segundo o OPSS, uma das actuais faces da saúde em Portugal. Mas há outra. Apresenta-se assim o mundo “da experiência real das pessoas, em que temos empobrecimento, desemprego crescente, diminuição dos factores de coesão social, e também uma considerável descrença em relação ao presente e também ao futuro, com todas as consequências previsíveis sobre a saúde”. Tal como no ano passado, os especialistas do OPSS continuam reféns de um país em crise e das consequências que isso tem ou pode ter na saúde dos portugueses.
O que pretendem oferecer com o Relatório de Primavera é algo que consideram essencial para o futuro do SNS e que, sublinham, o Governo ainda não conseguiu dar a conhecer: um diagnóstico oficial, “a partir do qual seja possível organizar no terreno uma resposta adequada aos efeitos da crise na saúde”.
No diagnóstico, o OPSS constata que os cortes orçamentais são superiores ao exigido pela troika e — tal como em anos anteriores — insiste na crítica sobre a “ausência de estratégia de resposta às consequências da crise na saúde da população”. “Previa-se uma redução da despesa total em saúde de 710 milhões de euros, superior aos 550 milhões necessários para implementar as medidas da troika. Porquê e para quê? Qual o impacto nas instituições e níveis de prestação de cuidados de saúde, nos doentes/cidadãos e nos profissionais?”, questionam.
O documento dá ainda destaque ao aumento das taxas moderadoras, concluindo que os valores referidos no Memorando de Entendimento enquanto fonte de financiamento “não se constituem como tal e o seu aumento poderá ser uma verdadeira barreira de acesso aos cuidados de saúde”. Há ainda capítulos dedicados às áreas dos cuidados de saúde primários e dos cuidados paliativos. Os especialistas defendem que não foi cumprida a intenção de melhorar a rede e investir nos modelos de Unidade de Saúde Familiar e sobre a oferta aquém das necessidades nos cuidados paliativos, apresentam dados: “Existe em Portugal uma equipa de cuidados paliativos domiciliários por cada 750.000 a 1.170.000 habitantes, sendo que as recomendações da EAPC [European Association for Palliative Care] (2009) são de uma equipa por 100.000 habitantes”.
Pontos positivos
Na análise da governação durante o último ano — com registo da diminuição do poder de compra, aumento do desemprego, da recessão, da dívida externa, aumento da depressão, da taxa de tentativa de suicídio, de mortes prematuras e de crimes contra terceiros e património — também há aspectos positivos a realçar. “À luz do programa de ajustamento, foi possível adoptar medidas que contribuíram para influenciar favoravelmente uma gestão mais eficiente dos recursos disponíveis para a área da saúde”, diz o relatório. E nota que, “na política do medicamento, verifica-se que a efectiva baixa de preços que se tem observado contribuiu para uma ligeira diminuição dos encargos dos utentes com medicamentos”. O relatório avalia de forma positiva “o alargamento dos programas de vigilância da saúde e das doenças crónicas, os rastreios oncológicos, e o alargamento e melhoria dos cuidados domiciliários” e ainda a continuidade de produção de Normas de Orientação Clínica. O relatório é apresentado nesta terça-feira na Fundação Gulbenkian numa sessão que vai contar com o ministro Paulo Macedo.
Na análise da governação durante o último ano — com registo da diminuição do poder de compra, aumento do desemprego, da recessão, da dívida externa, aumento da depressão, da taxa de tentativa de suicídio, de mortes prematuras e de crimes contra terceiros e património — também há aspectos positivos a realçar. “À luz do programa de ajustamento, foi possível adoptar medidas que contribuíram para influenciar favoravelmente uma gestão mais eficiente dos recursos disponíveis para a área da saúde”, diz o relatório. E nota que, “na política do medicamento, verifica-se que a efectiva baixa de preços que se tem observado contribuiu para uma ligeira diminuição dos encargos dos utentes com medicamentos”. O relatório avalia de forma positiva “o alargamento dos programas de vigilância da saúde e das doenças crónicas, os rastreios oncológicos, e o alargamento e melhoria dos cuidados domiciliários” e ainda a continuidade de produção de Normas de Orientação Clínica. O relatório é apresentado nesta terça-feira na Fundação Gulbenkian numa sessão que vai contar com o ministro Paulo Macedo.
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